Tomado o complexo do Alemão no Rio, a pergunta que não quer calar é relativa à pequena quantidade de prisões e detenções feitas pelo conjunto das forças policiais.
Agora, a imprensa especula que a presença do pessoal do Exército deverá durar pelo menos até a instalação de uma UPP, unidade policial pacificadora, enquanto o governador Sérgio Cabral fala em um prazo de até 7 meses.
Nesse meio tempo, as forças policiais continuam dando buscas, vistoriando casas, procurando por traficantes ou marginais que poderiam estar escondidos, ou disfarçados de pessoas comuns, da comunidade.
Nas ruas, os programas televisivos, Domingo Espetacular com Paulo Henrique Amorim, e o Fantástico, entrevistavam, desde domingo pessoas comuns, habitantes do conglomerado, desejando saber desde sua reação, até o sentimento de terem recuperado o espaço público, para sua utilização.
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Bem, o que percebi foi que a maioria das pessoas entrevistadas não arriscava muito mais que, agora as coisas devem melhorar. Assim, respostas meio vagas, dando a entender que, passado o assalto das tropas oficiais ao morro, e o tiroteio que se seguiu, as coisas devem ficar mais pacatas. Mais calmas. Nunca completamente tranquilas, nem ao gosto da população.
Porquê essa resposta evasiva?
Em minha opinião, o problema maior é que os jornalistas e repórteres faziam as perguntas mas, como não passa despercebido ao telespectador, o próprio entrevistado ou entrevistada pode ser alguém envolvido com o tráfico.
Não estou dizendo que as pessoas entrevistadas são ou eram marginais, mas ficou no ar, em minha opinião, uma certa impressão de medo... as pessoas evitando falar muito, para não serem cobradas depois ou mesmo a título de protegerem algum parente ligado ao crime organizado.
Afinal, adianta fazer uma operação de varredura, inclusive solicitando a colaboração das pessoas do Alemão por meio da apresentação de denúncias anônimas, exceto para capturar algum dos chefes do tráfico?
Então as denúncias surtiriam efeito para prender meia dúzia ou uma dúzia de criminosos, já procurados, conhecidos pela polícia, alguns até com passagem pelas prisões.
Esses, escondidos, poderiam ser descobertos e presos.
Mas, retirados de circulação, o que ficaria em seu lugar? Ou quem?
Porque é utópico achar que o tráfico vai parar ou sofrer alguma interrupção mais séria. Como é ilusório acreditar que aqueles que são viciados ou consumidores das drogas irão parar de consumi-la e de comprá-la.
Sendo o Rio uma cidade de grande porte, uma megalópole, como qualquer outra cidade de porte semelhante, as drogas vão continuar circulando, se é que foram interrompidas mesmo no momento em que o morro era invadido.
Se ilusório achar que o mercado de droga clandestino foi desmantelado, o que pode-se esperar é que ele se recolha um pouco.
Se presos os cabeças do tráfico nos dias de hoje, o que pode ser esperado é que dentro de pouco, outros venham para ocupar seu lugar. Claro que não de forma ostensiva, não querendo impor sua lei, não querendo se sobrepor ao Estado, às forças públicas ou dominar o espaço público.
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E se nosso raciocínio é correto, mesmo lamentando essa possibilidade, quem irá ocupar os lugares dos chefes do comércio senão as trutas pequenas de hoje, já parcialmente treinados e inseridos nos negócios do tráfico?
Há que se recordar que foram anos de domínio, de imposição da vontade dos senhores do tráfico, da ação de criminosos como os padrinhos e protetores das comunidades. Só lembrando: para manter a polícia afastada do morro, muitas vezes, até em briga familiar os criminosos tiveram de se intrometer. Pequenos roubos, assaltos, uma série de atividades era controlada e impedida pelos chefes do tráfico.
E a esses chefes, a comunidade tinha de prestar obediência e agradecer a proteção e tranquilidade.
E, durante muito tempo, sem educação, sem escolas, sem atividades capazes de ensinar uma atividade profissional geradora de renda, ou sem atividades esportivas e lúdicas, o que restou aos meninos e meninas da comunidade, salvo serem recrutados pelo crime?
Exatamente os meninos e meninas que aprenderam a conviver com o poder, mesmo que da barbárie e das armas; aprenderam a aproveitar das benesses de uma vida de conforto material proporcionado pelo fruto das atividades ilícitas; aprenderam a conviver com tudo que há de bom e de melhor, e que para eles era apenas um sonho distante.
Pois bem. Esses são os meninos e meninas desconhecidos da polícia, que nunca ouviu falar de sua existência, ou melhor, sabe da existência, mas não do rosto que eles têm.
Então, são esses meninos que são parentes, filhos, sobrinhos, netos, dos entrevistados pelas emissoras de tv.
São esses que agora ficarão protegidos pelo anonimato e que, por serem desconhecidos, escaparão ilesos e poderão se reagrupar e retornar no futuro.
E esses irão, talvez de forma mais discreta retomarem a atividade que lhes assegura e à sua família o que a sociedade de maneira geral lhes nega. Não necessariamente por um problema de apartheid social, mas por força mesmo do sistema em que vivemos, que se assemelha a um funil, onde poucos são os que conseguem chegar até o outro lado da abertura.
Bem, esses a polícia e o Estado terão como identificar ou tirar da vida do crime, em que eles já se iniciaram?
Por achar que não, fico preocupado. Mas, não vejo ninguém discutindo até aqui o que fazer e como para dar a essas crianças(?) educação, instrução, treino profissional e depois uma ocupação e salário dignos.
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