Comentei ontem as dificuldades e pressões que, mesmo não vindo a público, estão acontecendo nessa etapa de montagem de equipe de governo da presidenta Dilma. Por serem ações difíceis de serem identificadas, na maior parte das vezes, transmitem a impressão de um certo marasmo, como se o script traçado estivesse sendo seguido à risca entre conversas, sondagens e especulações. Mais essas que aquelas.
É esse cenário que transmite a idéia incorreta de calmaria.
Nos bastidores, sabe-se que o jogo político encontra-se em pleno andamento e que, sob as aparências, a disputa é encarniçada. Jogo pesado, com os vários setores e categorias sociais tentando fazer prevalecer seus pontos de vista e seus interesses.
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De vez em quando, algumas investidas acabam sendo flagradas, sendo imediatamente exploradas pelos interesses antagônicos. Outras vezes, nem mesmo têm tempo para se materializar, embora passem a ser repercutidas na midia, como se fatos consumados.
Parece-me que é nesse caso que se enquadra a notícia da pressão que Henrique Meirelles, presidente do BC, teria feito ao abordar a necessidade de se assegurar a manutenção da autonomia do Banco Central especialmente em relação à política de fixação da taxa de juros básica da economia brasileira.
Aos fatos: em entrevista dada a importante jornal, Meirelles teria dito que poderia permanecer no cargo, caso convidado, apenas se assegurada a autonomia para fixação dos juros da economia brasileira.
Chamados a interpretarem a frase, os comentaristas políticos foram unânimes em afirmar que, aproveitando a ausência por motivo de viagem da presidenta eleita, Meirelles estaria se antecipando à possibilidade de não ser convidado a permanecer no cargo, arranjando aí uma desculpa.
Para alguns analistas, sua frase soou como uma pressão para se manter no cargo, uma vez que sua saída acabaria sinalizando aos mercados (financeiros) que a política econômica de estabilização não seria mais prioridade do novo governo, gerando instabilidade econômica em momento em que a economia internacional atravessa um período de recrudescimento de turbulências.
Para outros, responsável pela criação de um grande mal-estar junto à Dilma e à equipe de transição, a atitude foi considerada como uma precipitação de Meirelles, ao ver seu espaço no novo governo reduzido, em particular depois do vazamento da informação da manutenção de Mantega na Fazenda.
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Entretanto, como Jânio de Freitas lembrou em sua coluna na Folha de domingo, para se analisar a situação, há que se considerar que, no início do ano, desejando se desincompatibilizar do cargo para concorrer às eleições, Meirelles foi convencido pelo presidente Lula a permanecer na presidência do BC até o último dia de seu mandato.
Concordando com o jornalista, não há como acreditar que, do acordo firmado e cumprido à risca até o presente, não constassem negociações de cargos em um futuro governo que, mesmo tendo nova constituição e comando, seria sempre um governo de sucessão.
De mais a mais, não há como imaginar que depois de tantos anos à frente de um cargo como o que ocupou, Meirelles não tivesse aprendido a cultivar a arte da política, deixando-se derrotar por sua insegurança e ansiedade. Além disso, nem esse é seu feitio, de homem operador de mercado financeiro, nem a possibilidade de deixar o Banco Central, indicado para cargo de maior prestígio e responsabilidade de gerir maior orçamento, permitem prosperar tal entendimento.
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Se houve a frase dita pelo presidente do BC, mesmo que às custas de um certo desgaste pessoal junto à presidenta, a pressão parece acertou em cheio o alvo.
Tendo seu nome excluído da relação de candidatos à direção do Banco e da própria equipe econômica em montagem, restaria à presidenta eleita pagar os compromissos de campanha indicando-o para outro cargo de Ministro ou até embaixador do país, nos Estados Unidos, em outro país, ou junto a algum organismo internacional de relevo.
Para sucedê-lo na presidência do BC, poderia emplacar o nome de seu companheiro de diretoria colegiada no Banco, o diretor de Normas, Alexandre Tombini, o que seria um sinal de sua força, mesmo que indireto.
No caso de uma solução externa, a vitória também estaria assegurada: afinal, mais que os nomes, há que se registrar que sua banderia de luta estaria fortalecida e, de fato, saiu fortalecida de todo o episódio.
Em minha opinião, agora mais que nunca, a presidenta Dilma ficou refém do mercado financeiro, razão porque os nomes apontados pela imprensa são o do presidente da Febraban - Federação dos Bancos brasileiros, representante dos interesses do capital financeiro tupiniquim, e presidente do Santander, Fábio Barbosa, ou de Otávio de Barros, economista-chefe do Bradesco.
Ambos, homens oriundos do mercado, um representando adicionalmente um certo vínculo com o capital financeiro internacional. Para um momento de acirramento da crise financeira internacional!!!...
Mas, conquista maior é que, alguns sites já trazem hoje a informação de que, mesmo com a saída de Meirelles, a presidenta irá afirmar ao mercado, quando da indicação de seu sucessor, que irá assegurar a continuidade da política de autonomia do Banco.
Autonomia, no caso, um eufemismo para dizer que o Banco Central prosseguirá subordinando sua atuação aos interesses do setor de capital financeiro nacional, a saber, na prática de juros elevados e preocupação exclusiva com o cumprimento do programa de metas inflacionárias.
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Enquanto isso, 38,8 bilhões de dólares é o déficit apresentado em conta de transações correntes até o último mês de outubro, 157% superior a igual período do ano passado. A saída de reservas na conta de gastos de viagem, em 10 meses, se equipara a todo o valor do ano passado. Os juros prosseguem em 10,75%, as taxas reais mais altas do mundo e a economia dá sinais de estagnação, com um crescimento de 0%, estimado pela Serasa, no terceiro trimestre em comparação com o trimestre anterior.
O setor industrial se vê ás voltas com ameaças de desindustrialização e a inflação não dá sinais de arrefecimento, justificada entre outros motivos, por problemas de abastecimento de alimentos causado por variações climáticas e elevação da demanda, tanto interna como externamente.
Enquanto isso os balancetes dos bancos mostram lucros exuberantes e o mercado presta justas homenagens a Henrique Meirelles.
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