segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Crises no horizonte

Os analistas de mercado já se assanham, antevendo a situação econômica com que irá se defrontar a nova presidenta do Brasil.
Em sua opinião, embora melhor que em outras ocasiões de início de mandato, a presidenta eleita Dilma, ao tomar posse enfrentará condições econômicas piores que aquela de seu antecessor, quando do início de seu segundo mandato.
Ou seja, comparada à condição que vigorava em 2006, a economia brasileira encontra-se mais deteriorada.
Em geral, apresentam a situação fiscal do país, e a condição cambial como as questões mais críticas, embora também façam alguma menção à certa resistência da inflação a se adequar à meta prevista. Como pano de fundo, destacam sempre a inflexão dos sinais emitidos pela economia internacional e a situação de algumas economias chaves para o desenvolvimento do mundo capitalista.
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Mas, examinemos mais de perto,  o que dizem os analistas.
Criticam a situação fiscal do país, por não apresentar os mesmos níveis de superávit primário do primeiro mandato do governo Lula. Dessa forma, o governo não teria condições de continuar patrocinando a redução, necessária, da relação dívida interna/PIB. Isso decorreria da redução da capacidade de pagar os juros da dívida mobiliária que, por um lado, implicaria o aumento das necessidades de financiamento do setor público, acarretando de quebra a elevação das taxas de juros, de forma a atrair os recursos necessários a seu financiamento.
A opção a essa situação seria a redução dos gastos de investimento em infra-estrutura, a redução dos investimentos públicos necessários a alavancar a desejada elevação dos gastos em inversão privados.
Ou seja, a poupança pública do país estaria em pior situação, o que impediria o financiamento de nossos investimentos e interromperia o processo de crescimento experimentado nesse ano de 2010.
Atribuem essa deterioração das contas públicas à elevação dos gastos permanentes, de modo irresponsável, em especial com a elevação de gastos com o funcionalismo público.
Mas, é essa a verdadeira causa da queda do superávit primário?
Ou a causa da deterioração das contas públicas foi a política de extração keynesiana, em boa hora adotada pelo governo, consistindo de redução da carga tributária em contraposição à manutenção das despesas públicas e elevação de outras - inclusive os investimentos do PAC, para que o país pudesse enfrentar a crise financeira internacional?
É bom que se lembre que, por agir dessa maneira, a economia brasileira não apenas foi uma das últimas economias a sofrerem os impactos da crise, como foi das primeiras a sair da crise e iniciar seu processo de recuperação, que tem dado sinais de grande vigor.
Em outras palavras, não agisse como agiu, a economia brasileira não teria enfrentado uma marolinha como a prognosticada pelo presidente Lula, mas uma tsunami como a que continua arrastando as economias da Europa e a economia americana, para citar apenas alguns exemplos.
E, agindo como agiu, quem senão o mercado, a indústria, os bancos, o sistema financeiro e o setor privado em geral, foi o grande beneficiado?
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Então, a culpa da deterioração das contas públicas não pode ser imputada ao governo, que não tinha alternativas. Mas deve ser atribuída ao mercado, esse sim, responsável irrracional, em sua exuberância esquisofrênica, pela crise financeira.
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Ora, na hora que estava precisando do socorro do governo, o mercado não criticou as medidas adotadas pelo governo. Apenas, em silêncio, aproveitou para se recuperar e se fortalecer.
O que os analistas de mercado desejavam então é que, passada a crise, o ano de 2009 fosse um ano em que o executivo não  honrasse os compromissos assinados e acertados com as várias categorias de funcionários públicos. O que o mercado desejava é que Lula não continuasse sua política de promoção da recomposição dos salários dos servidores públicos, dispensando-lhes o mesmo tratamento de arrocho, e desrespeito de que foram vítimas nos anos do governo de FHC, quando o PSDB esteve no poder com a finalidade de desestruturar e enfraquecer o Estado nacional e reduzir a máquina pública a um monte de escombros.
Pois bem, em 2007, 2008, aproveitando as felizes condições que permitiam à economia brasileira dar os passos iniciais para sua passagem para o estado de nação desenvolvida, o governo Lula negociou com as categorias de funcionários um programa de recomposição salarial e fortalecimento das condições de trabalho do serviço público. E o fez, para não pesar as contas públicas, com a concessão de aumentos parcelados em vários exercícios, em geral, 3 parcelas.
Esse aumento, das parcelas que o governo honrou é que os analistas atribuem, agora, a uma política irresponsável, populista. Não se sabe se por fortalecerem os órgãos públicos de controle da iniciativa econômica, e dotarem os aparelhos reguladores de instrumentos para cumprirem sua missão em prol da maioria do  povo brasileiro; ou se por que os mercados desejavam que Lula não honrasse aqueles acordos, para assegurar a continuidade dos superávits destinados a assegurar, junto aos mercados que seus interesses, de manutenção do pagamento de juros seria mantido.
Em minha opinião, a questão real é que o mercado e os seus analistas, consideram os compromissos do governo com o funcionalismo como sendo de  qualidade inferior, quando comparado a seus interesses. E, daí, acharem que o governo errou ao cumprir o combinado com os servidores, em um momento em que estava reduzindo a folga fiscal, por força de já estar agindo no sentido de ajudar aos próprios  interesses do mercado.
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Então, o governo apenas cumpriu o que estava no papel, como tem cumprido os interesses também com o pagamento de juros abusivos, extorsivos, esses sim que deveriam ser objeto de questionamento.
A redução do superávit, que permanece, é fruto de uma situação atípica, da qual o governo não pode ser acusado como responsável e que apenas agiu, de forma a proteger a economia brasileira.
E, é bom lembrar, a relação dívida/PIB vai decrescer, independente da questão da redução do déficit, exatamente porque ao reduzir o déficit primário, o governo conseguiu criar as condições que permitiram o PIB apresentar o crescimento que o país vai experimentar nesse ano de 2010, para desespero de quem parece torcer para que a economia pare de crescer apenas para mostrar o acerto de seus dogmas.
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Dessa forma, com relação à questão da relação fatídica da dívida mobiliária, não há porque imaginar uma necessária elevação das taxas de juros, que iria interromper o processo de crescimento a que o país deu início neste fim de governo Lula.
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Quanto à questão cambial, e à crise a que ela pode dar origem, em relação à situação externa de nossas contas, é bom lembrar, mais uma vez, aquilo que já tratamos em outros comentários: ela depende muito mais da redução da taxa de juros, e da redução da atratividade que essas taxas representam para o influxo de capital externo.
Essa entrada, por força da atração do prêmio dos juros, é que torna nossa moeda tão valorizada, em movimento destinado a conter qualquer possibilidade de elevação de preços e repique inflacionário, pela elevação do conteúdo importado da economia.
De quebra, quebra e arrasta nossa indústria para a desnacionalização e para a redução das exportações, o que alimenta, mais uma vez, o processo de deterioração das contas externas.
Mas, é importante lembrar que é ao mercado e a seus interesses, que taxas de juros no  patamar em que estão sendo praticadas em nosso país, tentam agradar. E é importante lembrar que a desregulamentação financeira em escala internacional, e a liberalização e a flexibilização que esse movimento permitiu ocorrer, é que explica a grande mobilidade de capitais que interessa apenas e tão somente ao mercado financeiro internacional e aos capitais a ele associados, em geral, na esfera financeira.
Tais capitais, por óbvio, vinculados aos mercados.
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Então, a crise que se prenuncia, não pode ser entendida como uma crise real já visível no horizonte, mas o mercado, mais uma vez, se antecipando para, por meio do terror e com o  apoio da mídia conservadora, causar apreensão na sociedade, de forma a que, se limite o raio de manobra do governo, e o governo se torne refém das medidas que eles estão já sugerindo. Medidas que atendem de forma privilegiada a seus interesses e não necessariamente aos interesses da nação e da maioria de sua população.

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