sábado, 30 de outubro de 2010

Alea iacta est

A sorte está lançada.
Amanhã, 135 milhões de brasileiros deverão escolher seu novo presidente e, por mais feio que pareça e por pior que seja a sonoridade, muito provavelmente teremos que nos acostumar com o uso de uma palavra incomum: presidenta.
A julgar pelo andar da carruagem, Dilma será eleita amanhã, para dar continuidade, como no futebol, a um time que está ganhando.
A bem da verdade, não um time. Mas um país inteiro. Um povo inteiro de Joãos, Josés, Severinos e Silvas. Que passaram a ser tratados e considerados como "nunca antes na história desse país, cidadãos de primeira linha. Não gente de segunda classe.
E não pelo fato de estarem comprando carros e dando sua salutar contribuição para o engarrafamento geral do trânsito nos grandes núcleos urbanos. Nem por estarem contribuindo para o caos aéreo, tantas vezes usado como referência do discurso de Serra.
Não acho que o povo esteja sendo tratado melhor porque pode ter acesso à máquina de moer gente, e sonhos, do consumo de mercado. Ok, isso também é importante, e já dizia Lênin, se o capitalismo tem alguma coisa de boa, é o nível de conforto e bem estar que ele pode nos proporcionar. E, já que ninguém é de ferro, para o bem ou para o mal, quem não deseja esse conforto material e bem-estar postiço.
Mas o povo passou a perceber-se importante. Se houve uma grande reforma ou revolução promovida pelo governo Lula, alguém ainda haverá de confirmar um dia, em alguma pesquisa, essa modificação foi na consciência de si mesmo do povo brasileiro.
Algo parecido com a consciência de classe para si, e não apenas do conceito sociológico de classe em si, marxiana.
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Por isso, Dilma na cabeça.
E nem me venham dizer que só o povão dos grotões e das profundezas de cafundó estará votando em Dilma.
Funcionários públicos de várias categorias, de várias carreiras, alguns até de carreira típica de Estado, são exemplo de eleitores de Dilma. Até porque se lembram amargamente do período do governo peessedebista, em que além de ficarem sete anos sem qualquer aumento ou correção salarial (o que fez o próprio Supremo se manifestar, por ato contrário a preceito constitucional), viram a máquina pública ser completamente depreciada e o serviço que prestavam deteriorar-se, por falta de condições mínimas de prestação de um serviço de qualidade  aceitável e digna ao cidadão brasileiro.
Afinal, seguindo a filosofia impregnada na corrente neoliberal privatista, quanto pior, melhor. Quanto pior a qualidade do serviço, maior a reclamação e a grita do povo revoltado e mais fácil a entrega desses serviços aos empresários  privados, espertalhões.
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Mas, verdade seja dita. Mesmo com a vitória de Dilma, ainda está longe o dia que o Brasil será governado por um político de cunho efetivamente popular, e cuja plataforma de governo seja realmente destinada ao povo e à eliminação de todas as desigualdades e injustiças sociais, como lembrou em todo o transcorrer da primeira fase da campanha o candidato Plinio de Arruda Sampaio e seu PSOL.
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Mudando de assunto e trazendo mais do mesmo: realizou-se ontem o debate da Globo. Não vi o IBOPE do programa. Não assisti ao debate.
No bar em frente ao prédio em que moro, a mesa grande de meus amigos pareceu-me, desde sempre, mais convidativa e aprazível.
Embora apoiada na geladeira, lá no canto, a televisão estava e passou toda a noite desligada.
Ainda arrisquei a pergunta: e o debate, ninguém vai ver??? Até agora estou aguardando a resposta.
Do Fernandinho, meu amigo e engenheiro da Usiminas, ouvi o comentário elucidativo: ninguém vai mudar o voto por causa de um debate. Todo mundo já escolheu seu candidato.
A menos que surgisse algo fora de série, que pudesse criar um fato novo, muito grave, ninguém vai mudar o voto agora.
Essa parece ser a opinião dominante. A sorte já estava lançada.
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Da campanha que insisto e repito, teve um nível abaixo da crítica, devo mencionar terem me chegado às mãos e de eu ter podido ter acesso e ler, em meio a muita informação deturpada e mensagens desqualificadas e desqualificadoras, textos que homenageiam a inteligência de qualquer leitor.
Dentre esses textos, não poderia deixar de mencionar aqui a carta resposta a FHC, de autoria de Theotônio dos Santos, primor de análise do período de governo do PSDB e de quebra reestabelecendo a verdade que a máquina publicitária do período tentou desconstruir para substituir por uma outra história de ficção.
O texto publicado ontem no Valor Econômico, de Alberto Carneiro, deixando claras as razões que levaram o candidato Serra a perder o discurso, o rumo, as bandeiras, por ser um nacional-desenvolvimentista e um esquerdista por formação. Por esse motivo, e pelo fato de o PSDB só conseguir sobreviver se refundar-se como o substituto do PP, do PFL, do DEM, como um partido de direita, ainda que direita light, a derrota mais que previsível. E a possibilidade de Aécio, o menino do Rio. A direita simpática e moderna, pero no mucho. Ou por outra: ainda direita e popular apenas nas areias da orla carioca.
Também um texto que recebi da Andrea, a vermelhinha minha amiga, com uma análise sociológica do atraso da classe "bem" de nossa sociedade. Na mesma senda já descrita por Caio Prado Jr, da dualidade das relações brasileiras,  moderna, cosmopolita e liberal, para as relações externas, e troglodita, selvagem e com prática e sangue de jagunço para as relações com as outras classes sociais que lhe servem de esteio.
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Na Folha,hoje, Antônio Cícero enumera, de forma simples e brilhante, argumentos favoráveis à proposta de descriminalização do aborto, até o terceiro mês de gestação. Vale a leitura e a reflexão, independente de qualquer convicção religiosa que o leitor possua.
Tendo em vista que o tema aborto foi trazido ao centro do debate político pelo desespero de derrotado de Serra, cito-o aqui, como um dos textos imperdíveis.
É isso. A todos, um bom domingo de eleições.

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