terça-feira, 26 de outubro de 2010

Previdência, aposentadoria e envelhecimento - os dilemas da 3a idade

Foi divulgado hoje o superavit primário histórico obtido pelo governo, no mês de setembro - até por efeito da capitalização da Petrobrás.
Do total de recursos extraídos da população (via carga tributária) e não devolvidos em serviços (os tais contingenciamentos e economias...), em descumprimento à finalidade última do papel do sistema tributário e do governo (aquele que se pretendia "do povo, para o povo, etc."), 26 bilhões, pouco mais, pouco menos, transformam-se em superávit primário.

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Superávit primário é o eufemismo que a grande imprensa utiliza para dizer que o dinheiro que o povo pagou e não teve benefício vai servir para beneficiar os portadores de títulos da dívida mobiliária interna, os bancos, as grandes fortunas, esses que são os únicos favoráveis à manutenção de uma taxa de juros estratosférica, comparada ao resto do mundo, de 10,75% ao ano.
Porque, para quem viu o debate ontem, por exemplo, ou já ouviu o candidato Serra, pessoalmente, nem ele é favorável a taxas tão exorbitantes, que estão estrangulando as pequenas e médias empresas, a indústria nacional e, de quebra os setores exportadores.

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Mas, do total do superávit gerado, de responsabilidade do Tesouro, do Banco Central e da Previdência, ressalta um número, identificado em alguns sites, como sendo um déficit de 9,2 bilhões de reais, de responsabilidade da Previdência.
No ano, o valor do déficit previdênciário atinge a cifra de 39,8 bilhões até setembro.
Somando a essa informação as notícias dos conflitos que estão gerando o caos na França, motivados por mudanças propostas e aprovadas nas casas legislativas, em relação à Previdência, conclui-se que o problema é sério e deveria ser, esse sim, objeto de questionamento e debates por parte dos candidatos a Presidência da República.

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Sobre o tema, órgãos do próprio governo já sugerem a necessidade de se promover mudanças destinadas a permitirem uma reforma da Previdência, capaz de asssegurar a sua persistência e continuidade no tempo, tendo em vista a questão crucial de seu financiamento. O problema é que, dado o envelhecimento da população brasileira, a Previdência terá problemas para continuar pagando os benefícios - por mais tempo de vida após o emprego.

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As opções apresentadas são: aumento do tempo de permanência no trabalho com aumento de tempo de contribuição; aumento das alíquotas de contribuição; perda do valor das aposentadorias, justamente no momento em que as pessoas estão mais necessitadas de uma renda real estável.
A tendência indica que a opção mais plausível é a de elevação da idade mínima para aposentadoria, em todo o mundo.
Importante frisar: o problema não é de má gestão, nem de corrupção, nem de empreguismo ou qualquer coisa que os mais apressados poderiam supor, em se tratando de Brasil e de nossa tradição e experiência.
O problema é em escala global e, volta e meia, noticia-se a preocupação de países desenvolvidos promoverem mudanças em seu sistema de seguridade social.

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Pesquisando o blog da coluna de Ricardo Setti, no endereço veja.abril.com.br, extraí os seguintes dados para tempo de idade mínima para aposentadoria em países diversos. Ao lado da idade requerida, entre parêntesis, a idade que se pretende seja exigida, no futuro próximo.

Bélgica, Itália, Suécia e Portugal - tempo de idade mínima 65 anos, sem previsão de mudanças;

Reino Unido, Holanda, Espanha e Dinamarca - 65 anos (alteração para 67)

República Checa, Hungria, Romênia, Bulgária e Suíça - idade entre 61 e 64 anos.

Na França, a reforma aprovada altera a idade de 60 para 62 anos.

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Analistas observam que o problema maior e mais significativo, razão mesmo das reações vistas na França, situam-se menos na questão da definição de uma idade mínima, e mais na questão de aumento no tempo de contribuição, que tornará cada vez mais difícil ser alcançado para a concessão do benefício.

Mas, além da França, há a recomendação da União Européia de elevação da idade mínima para 70 anos, até 2060, para seus 27 países membros.
A questão, que se reproduz em nosso país, embora em menor escala, tem a ver com o fato de, enquanto hoje existem 4 trabalhadores para cada aposentado, a expectativa é que em 2060 a proporção de trabalhadores ativos para cada aposentado caia para 2 para 1.

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Aqui no Brasil, atualmente, para cada idoso, temos 10 pessoas em idade produtiva, o que torna nossa situação mais tranquila, mas nem por isso, menos preocupante.
Ademais, ao contrário da posição de alguns estudos e estudiosos do assunto, que praticamente suprimem qualquer foco mais humanistico, por uma abordagem meramente contábil-financeira, há que se levar em conta, em nosso país, uma série de características que envolvem, inclusive a própria qualidade de trabalho aqui existente.
Destaca-se nesse tipo de estudos o economista Fábio Giambiagi do BNDES, autor de um estudo previdenciário feito praticamente sob encomenda para os interesses do sistema financeiro, que propõe a elevação da idade mínima de aposentadoria de maneira ampla e irrestrita,  sem levar em conta, por exemplo, os trabalhadores que exercem atividades que demandam grande esforço físico.
Esses, aos 50 anos, pouco mais, já sentem os efeitos do desgaste a que foram submetidos, podendo transformarem-se em alvo de acidentes e doenças, por força de prolongamento do seu período laboral.
Na mesma situação encontram-se aqueles trabalhadores que desenvolvem trabalhos em condições de repetição de movimentos, ou que exigem características como acuidade visual e reflexos, ou cuja atividade se desenvolve em ambiente de trabalho em condições inadequadas.

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Ou seja: o problema  existe e é sério. E tem de ser objeto de debate por toda a sociedade, em especial para que se encontrem soluções capazes de preservar o sistema de solidariedade representado pelo regime de repartição adotado hoje no sistema previdenciário brasileiro, bem superior à proposta de capitalização, que tanto atrai os arautos do liberalismo e do capitalismo de mercado.

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