Na literatura especializada há uma discussão que pode ser sintetizada por meio de uma pergunta: o Banco Central, como Autoridade Monetária e gestor da política econômica dita as condições para o funcionamento do mercado, ou o mercado dita as condições e o espaço de manobras do BC?
Afinal, a normalidade e estabilidade, o bom funcionamento do mercado, implica em a autoridade fazer o dever de casa. E, como bom menino, obediente, não adotar medidas e provocar reações que possam desestabilizar o sistema financeiro e seus agentes.
Traduzindo e trazendo para nossa realidade: obedecendo aos interesses do mercado, e para atender a suas expectativas, o Banco Central, ao término da reunião de ontem do COPOM, resolveu manter inalterada a taxa de juros básica, a taxa meta da SELIC, de 10,75%.
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COPOM é o Comitê de Política Monetária, órgão colegiado integrado pelos membros da Diretoria do Banco Central. A rigor, embora realize suas reuniões em dois dias, o primeiro deles sendo utilizado para a apresentação e posterior análise das informações e dados da conjuntura econômica, e o segundo, para a discussão dos cenários e expectativas projetados, decisivos no COPOM são apenas o Ministro Presidente do BC e os diretores da Política Monetária e Estudos Econômicos.
Os demais diretores, acompanham, em geral, o voto do Presidente.
Mas, no fundo, todos acompanham a opinião dominante do mercado, essa instância decisora abstrata, esse monstro sagrado sem face, esse deus a cuja vontade todos têm que se curvar. Na verdade, a representação dos interesses dos controladores e operadores do sistema financeiro, e seus interessess particulares, de ganhos.
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Ao repercutir a decisão, os órgãos e sites representantes dos interesses da grande e conservadora midia, sempre deixam clara a posição de quem manda e quem deve obedecer.
Nesse papel, informam, antecipam e orientam no papel de veículo das vontades de sua excelência o mercado: "Copom deve manter a taxa essa semana, prevê o mercado".
No portal do G1, hoje, depois da decisão ratificada, dando ouvidos à análise de um dos economistas chefes dos escritórios de consultoria e assessoria financeira: " o mercado já esperava. O momento é de cautela, o BC está agindo de forma a não tomar decisões precipitadas."
Embora a demanda esteja aquecida, está sendo atendida por importações, o que de quebra, permite internalizar as pressões deflacionárias do exterior.
Quanto ao impacto sobre o câmbio, as exportações, a competitividade da indústria, aquela que produz o que nos importa, nenhuma palavra.
Minto: lá pelas tantas afirma, muito timidamente, que o BC está procedendo à análise do balanços dos riscos.
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É preciso deixar claro que não concordo e não gosto da expressão que os meninos bem comportados atuando no governo cunharam, para demonstrar que sua obediência cega ao mercado, a quem devem ser subservientes, para garantirem posições de destaque e alta remuneração e benefícios quando passarem para o lado de lá. Entenda-se, deixarem o governo e o trato das questões de interesse público, para enfiarem-se de cabeça (a alma já foi vendida e entregue a muito tempo) no mercado.
Refiro-me à idéia de fazer o dever de casa.
Em minha época, fazer o dever de casa era típico de aluno de ensino fundamental, tentando pavlovianamente, aprender ou decorar o que foi transmitido em sala de aula. Por isso a expressão fazer o dever de casa é sempre reveladora de coisas ruins, a serem evitadas, se possível.
Ou do outro lado: coisa amarga, que tem que ser feita se se deseja amadurecer.
Por amadurecer pode-se entender também: trilhar os caminhos já delineados, a trilha do The Wall do Pink Floyd, que menos que nos indicar a rota segura a percorrer, indica a prisão que nos impede de ver os horizontes mais longíquos. Muros que nos tolhem a visão e... se bobear os sonhos. E nos submete à vontade maior, chamada de desígnios de .... deus-mercado???
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Em relação aos setores produtivos da economia, todos são unânimes em criticarem a decisão de manutenção da SELIC, sejam feitos os comentários pelos representantes dos trabalhadores, da indústria ou do comércio.
O que mostra a clara divisão do país entre os que estão satisfeitos: sistema financeiro e especulativo (criador de riqueza fictícia) e setores importadores; representantes do grande capital, alavancados cada vez mais em seus desejos de dominação de nosso mercado e nossas empresas.
Do outro lado, resistindo, os trabalhadores e o capital nacional. O pequeno, médio capital. O comércio, a indústria e os setores exportadores.
Mas, não há problemas: como disse o representante das grandes finanças, o ano que vem vamos precisar ver os impactos que o cenário externo exercerão sobre o efeito doméstico, para definir melhor os rumos.
Ou seja: só o ano que vem deverão se preocupar em saber se nossa conta de transações correntes, em derrocada espetacular, expandindo nosso endividamento internacional, está colaborando no sentido de maior liberalização e desregulamentação do sistema financeiro nacional. Permitindo a maior integração desse sistema financeiro autóctone, com o sistema internacional.
Tudo na direção de nos encaixar e nos tornar, ao sistema financeiro, sócios - minoritários, mas sócios - do grande capital internacional.
Fenômeno que alguém de esquerda chamaria de venda do país ou entreguismo.
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Tudo isso, que mantém os juros elevados, restringindo o crédito e a elevação da demanda e, pior, em perverso processo de transferência de renda - dos setores produtivos para os rentistas; dos trabalhadores para os patrões e dos patrões dos setores produtivos para os magnatas das finanças -, para um pretenso combate à inflação.
Por força de uma demanda aquecida pelo aumento real de renda permitido pelo governo Lula e não visto nunca antes na história desse país.
Algo que sempre parece estar nos alertando para o fato de que só os ricos podem consumir, já que têm baixa propensão ao consumo. E que, toda vez que o pobre pode consumir, ressurge o dragão da inflação. Isso porque os pobres e menos favorecidos não podem nem devem consumir e tentar melhorar de vida.
Quase como se em um revival da fatídica teoria do bolo.
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Mas o mercado espera poder reduzir os juros no próximo ano, quando o governo promover um ajuste fiscal, ou seja, parar de gastar com o reequipamento do Estado e conseguir promover cortes de gastos de forma a permitir que a carga tributária, paga pela população brasileira, em especial de classe média, possa ser toda utilizada para financiamento dos juros da dívida dos mais ricos. Gasto de juros mantidos elevados por força da sábia decisão de não alterar a SELIC.
E foi o próprio Banco Central quem informou, na data de ontem, que não houve crescimento da produção - ou estabilização do PIB, no mês de julho e queda em agosto, comparado com os meses imediatamente anteriores.
Ou seja: se o manual de macroeconomia estiver minimamente correto, por força de queda da demanda.
Aquela mesma que o BC tenta restringir, para não alimentar uma inflação, ainda dentro do intervalo fixado na política de metas.
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Já escrevi muito e ainda continuo não entendendo nada. Ou não participando de nada.
Daí porque não sou capaz de ter a compreensão do todo. Ou de tudo.
Fui.
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